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Pedro Bandeira - entrevista



O escritor Pedro Bandeira, de 67 anos, já foi chamado de "Paulo Coelho dos livros infanto-juvenis". Faz sentido. Ele chegou a vender 100.000 livros em um único ano - em toda a carreira, são 21 milhões de exemplares. A média de vendas lhe garante viver da literatura - raridade no país. Alguns de seus títulos mais famosos, caso de A Droga da Obediência (1984), de longe o mais popular, fizeram parte da formação de leitores que hoje estão na faixa dos trinta anos. Mas esses mesmos livros seguem nas mãos dos mais jovens. Além dos números, há outras indicações de que a obra de Bandeira continua viva. Uma delas é a adaptação para o cinema de O Fantástico Mistério de Feiurinha, livro de 1986 que chegará às telas na pele de Xuxa e Sasha. Não poderia ser mais pop. Além disso, sua obra, que já chega a 80 títulos, será integralmente reeditada a partir de setembro, pela editora Moderna. Na entrevista a seguir, o escritor conta como trabalha para aproximar seus livros dos jovens leitores, em um país em que o índice de analfabetismo ainda atinge alarmantes 11,5% das crianças de até 9 anos.

O senhor já foi chamado de "Paulo Coelho dos juvenis". O que acha disso?
A comparação é só por causa das vendagens, não pelo conteúdo. Eu sou o mais vendido da literatura juvenil. Ele é o mais vendido do gênero auto-ajuda. Ele trilha o caminho do esotérico, e eu sou o oposto: gosto de fantasia, mas de esoterismo, não.
Por que seus livros agradam tanto?
Porque tratam de emoções humanas. Shakespeare escrevia sobre amor, ódio, cobiça, ou seja, sentimentos que jamais mudarão. Por isso, suas obras são encenadas até hoje. Se o jovem lê sobre pessoas vibrando, sofrendo, sonhando e se emocionando, tal como ele, é muito provável que irá gostar da história. É o que acontece nos meus livros.
O fato de seus livros serem adotados por escolas determina a escolha dos temas das obras?
Não existe um tema infantil, jovem ou adulto. Os fatos existem para serem vistos por quem estiver ali. O espectador pode ter seis meses, dez, trinta ou oitenta anos. O que varia é o ângulo pelo qual ele olha aquele fato. Para se escrever para determinado público, o segredo é narrar o fato a partir do ponto de vista do leitor que se quer atingir.
Escrever para crianças e adolescentes requer um estudo prévio da realidade desses leitores?
Não necessariamente. Só depois do sucesso de A Droga da Obediência passei realmente a me preocupar com a realidade da criança e do adolescente. E comecei, enfim, a ler tudo sobre eles. Acabei me tornando um especialista e hoje dou palestras no Brasil inteiro, falando das fases do desenvolvimento do ser humano. Mas não é isso que faz de mim um escritor. Caso constrário, todo psicólogo de crianças e todo professor seriam escritores infantis.
É mais difícil escrever para crianças?
De certa forma, sim, pois requer muita observação e vivência. O escritor tenta refletir as emoções humanas que aprendeu ao longo da vida, por isso é pouco comum que pessoas muito jovens sejam bons escritores. Não escrevo pensando no menino de dez anos que fui. Na época, estava crescendo, não observei o suficiente. Eu digo que o ideal é ter acima de 30 anos para começar a escrever para crianças, como Monteiro Lobato, Ruth Rocha e eu mesmo.
Qual o retorno que o senhor tem de seus leitores?
Antes do computador, eu recebia milhares de cartas. Respondia a todas na medida do possível. Agora, o tipo de contato mudou: todos os dias, recebo uns dez e-mails de leitores, geralmente de 12 a 15 anos, elogiando e pedindo mais histórias. Mas também tenho leitor com filho grande, outros que se tornaram meus amigos. São como filhos adotivos. Claro que a gente não deve se iludir com os elogios, porque quem não gosta do livro não perde tempo escrevendo.
Em um país com tantos analfabetos, o senhor chegou a vender 21 milhões de exemplares. Como explicar?
Não é bem assim. Na realidade, existem dois mercados: o mercado das escolas e o mercado do governo. O governo compra muitos livros para repassar às instituições públicas. Dos 21 milhões que vendi, cerca de 10 milhões foram graças a essas compras. Então, o que conta para mim são os outros 11 milhões, efetivamente escolhidos, seja pelos leitores, seja pelos professores.
Como se manter tanto tempo no mercado?
É um fenômeno bem brasileiro, que começou na década de 70. O Ministério da Educação aprovou uma lei que recomendava para crianças e jovens do ensino fundamental literatura produzida no Brasil - além do livro didático. Como não existia uma produção regular, as editoras começaram a correr atrás, produzindo títulos e oferecendo-os às escolas. Então, criou-se o costume da adoção das obras por escolas, que pegou. Em outros países, não existe isso. Lá, as famílias compram os livros para seus filhos. Aqui, os pais não são leitores. Então, ou as professoras fazem esse trabalho, ou as crianças nunca serão apresentadas aos livros.
O senhor ficou rico vendendo livros?
Antes, com a inflação, era infernal. Quando comecei a escrever, recebia muito tempo depois da venda, então não ganhava nada, recebia tostões. Depois do Plano Real, quando a moeda se estabilizou, passei a receber o valor equivalente à venda. Com o que recebo hoje dá para viver bem, sim.
O senhor tem algum projeto novo no momento?
Sempre tenho ideias, mas não sei se consigo fazer um livro que supere os anteriores. Acho que, provavelmente, não, e nem sei se ainda terei tempo de escrever a próxima novidade. Espero que os leitores jovens encontrem novidades nos meus livros já consagrados.
(entrevista concedida à Revista Veja)

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