Pular para o conteúdo principal

Hoje é dia de Ramos: Graciliano, o aniversariante (2)

  Pessimismo e romantismo em dois poemas de Graciliano Ramos:
G.R: caricatura de: Marcos Guilherme.



Céptico
Céptico
Quanto mais para o céu ergo o olhar compugido,
De tristeza repleto e de esperança vazio,
Mais encontro impiedoso,agitado e sombrio
Sempre o céu que me abte e me torna descrido.

É em vão que a crença busco,embalde fantasio
Meu passado sem névoa, um passado perdido...
Só sinto o coração pulsando colorido
Ao peso glacial de um cepticismo frio.


Tenho a cabeça em brasa e o pensamento enfermo.
A alma se me compunge e tudo é triste e ermo,
Nos arcanos sem fim de um peito esquelético.

Pesada treva envolve o meu olhar ardente,
E mais fico agitado e mais fico descrente
quanto mais para o céu ergo oe olhos céptico.

(Publicado em O Malho 1901)
Fonte:Coleção de Escritores Brasileiros.Antologia&estudos.
de: José Carlos Garbuglio,Alfredo Bosi,Valentim Facioli(e participações.Ed.Ática 1987

 Velhas Páginas - I

Maio varria o campo,enfeitava as florestasas,
Engrinaldava a serra e os montes perfumando,
Quando eu senti no peito as agudas arestas,
Deste amor insensato a minh'alma rasgando.

Em volta a Primavera, a sacudir o pando
Véu das ramagens, doida, a celebrar as festas
Doamor, descolorava o odorífico bando
De violetas grácis, de dálias e de giestas.

Eu te amei, tu me amaste, ambos nós loucamente:
-Eu mostrando o fervor de uma alma rude e austera,
-Tu, a ardência febril de um coração ardente.

E o nosso amor cresceu ao perpassar da calma
Estação, a caçar à luz da Primavera
o róseo despontar da Primavera d'alma.

(Publicado em O Malho entre 1901 e 1915)
Fonte:Coleção de Escritores Brasileiros.Antologia&estudos.
de: José Carlos Garbuglio,Alfredo Bosi,Valentim Facioli(e participações.Ed.Ática 1987

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Beleza Total, Carlos Drummond de Andrade.

A beleza de Gertrudes fascinava todo mundo e a própria Gertrudes. Os espelhos pasmavam diante de seu rosto, recusando-se a refletir as pessoas da casa e muito menos as visitas. Não ousavam abranger o corpo inteiro de Gertrudes. Era impossível, de tão belo, e o espelho do banheiro, que se atreveu a isto, partiu-se em mil estilhaços. A moça já não podia sair à rua, pois os veículos paravam à revelia dos condutores, e estes, por sua vez, perdiam toda a capacidade de ação. Houve um engarrafamento monstro, que durou uma semana, embora Gertrudes houvesse voltado logo para casa. O Senado aprovou lei de emergência, proibindo Gertrudes de chegar à janela. A moça vivia confinada num salão em que só penetrava sua mãe, pois o mordomo se suicidara com uma foto de Gertrudes sobre o peito. Gertrudes não podia fazer nada. Nascera assim, este era o seu destino fatal: a extrema beleza. E era feliz, sabendo-se incomparável. Por falta de ar puro, acabou sem condições de vida, e um di

Mãe É Quem Fica, Bruna Estrela

           Mãe é quem fica. Depois que todos vão. Depois que a luz apaga. Depois que todos dormem. Mãe fica.      Às vezes não fica em presença física. Mas mãe sempre fica. Uma vez que você tenha um filho, nunca mais seu coração estará inteiramente onde você estiver. Uma parte sempre fica.      Fica neles. Se eles comeram. Se dormiram na hora certa. Se brincaram como deveriam. Se a professora da escola é gentil. Se o amiguinho parou de bater. Se o pai lembrou de dar o remédio.      Mãe fica. Fica entalada no escorregador do espaço kids, pra brincar com a cria. Fica espremida no canto da cama de madrugada pra se certificar que a tosse melhorou. Fica com o resto da comida do filho, pra não perder mais tempo cozinhando.      É quando a gente fica que nasce a mãe. Na presença inteira. No olhar atento. Nos braços que embalam. No colo que acolhe.      Mãe é quem fica. Quando o chão some sob os pés. Quando todo mundo vai embora.      Quando as certezas se desfazem. Mãe

Os Dentes do Jacaré, Sérgio Capparelli. (poema infantil)

De manhã até a noite, jacaré escova os dentes, escova com muito zelo os do meio e os da frente. – E os dentes de trás, jacaré? De manhã escova os da frente e de tarde os dentes do meio, quando vai escovar os de trás, quase morre de receio. – E os dentes de trás, jacaré? Desejava visitar seu compadre crocodilo mas morria de preguiça: Que bocejos! Que cochilos! – Jacaré, e os dentes de trás? Foi a pergunta que ouviu num sonho que então sonhou, caiu da cama assustado e escovou, escovou, escovou. Sérgio Capparelli  CAPPARELLI, S. Boi da Cara Preta. LP&M, 1983. Leia também: Velho Poema Infantil , de Máximo de Moura Santos.