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Cantigas de Encurtar Caminho, Olegário Mariano

Bate o luar pelas encostas
Banha vales e grotões.
Que noite clara e comprida!
Entro no atalho da vida
Com um grande saco nas costas,
Cheio de recordações.

A luz do luar, de mansinho,
As sombras de noite espanta:
Quem canta encurta caminha,
Mata saudades quem canta.

 

Pesa-me êste desalento
Que a alma me aperta e espezinha
"Caminha" - murmura o vento
Dizem as nuvens: " Caminha!..."

Vem do silêncio das matas
Rumor de fonte e cachoeira.
Cantam minhas alpercatas
Cantando a canção da poeira.

Tudo canta! A flor do mato,
Uma ave noturna, um grilo.
Canta o veio de regato,
Canta o luar no céu tranqüilo.

Canta o bacurau na serra,
Canta o sapo na lagoa.
Sobe do hálito da terra
O canto da vida boa.

Tanto amor! Tanta promessa
Nesta vida em que definho!...

E eu vou cantando baixinho...
Quem canta chega depressa,
Quem canta encurta caminho.


Do livro: Cantigas de encurtar Caminho (1949)

Este blog manteve a grafia original.

Comentários

  1. Parabéns pela postagem regina!!! muito bonito o poema. Um abraço
    Laércio Lins
    aostraeaperola.blogspot.com

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