Pular para o conteúdo principal

As Minhas Asas, Almeida Garrett


Eu tinha umas asas brancas
asas que um anjo me deu,
que, em me cansando da terra,
batia-as,voava ao céu

-Eram brancas, brancas, brancas,
como as do anjo que mas deu.
Eu inocente como elas,
por isso voava ao céu.

Veio a cobiça da terra,
vinha para me tentar;
por meus montes de tesouros
minhas asas não quis dar

- Veio a ambição coas grandezas,
vinham para mas cortar,
davam-me poder e glória;
por nenhum preço as quis dar.

 

Porque as minhas asas brancas
asas que um anjo me deu,
em me eu cansando da terra,
batia-as voava ao céu.
Mas uma noite sem lua
que eu contemplava as estrêlas,
e já suspenso da terra
ia voar para elas,
- Deixei descair os olhos
Do céu alto e das estrêlas...
Vi, entre a névoa da terra,
outra luz mais bela que elas.
E as minhas asas brancas
asas que um anjo me deu,
para a terra me pesavam,
já não me erguiam ao céu.

Cegou-me esta luz funesta
de enfeitiçados amôres...
Fatal amor, negra hora.
Foi aquela hora de dores!
-Tudo perdi nessa hora
que provei nos meus amôres,
o doce fel do deleite
o acre prazer das dores.

E as minhas asas brancas
asas que unm anjo me deu,
pena a pena me caíram...
nunca mais voei ao céu.

(Flores sem fruto, 1845)

(Nota: o blog manteve a grafia original)

Comentários

  1. Que lindo!
    Amei seu blog, estou seguindo!

    Segue também!
    http://navegandoempaginas.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir

Postar um comentário

comentários ofensivos/ vocabulário de baixo calão/ propagandas não são aprovados.

Postagens mais visitadas deste blog

A Beleza Total, Carlos Drummond de Andrade.

A beleza de Gertrudes fascinava todo mundo e a própria Gertrudes. Os espelhos pasmavam diante de seu rosto, recusando-se a refletir as pessoas da casa e muito menos as visitas. Não ousavam abranger o corpo inteiro de Gertrudes. Era impossível, de tão belo, e o espelho do banheiro, que se atreveu a isto, partiu-se em mil estilhaços. A moça já não podia sair à rua, pois os veículos paravam à revelia dos condutores, e estes, por sua vez, perdiam toda a capacidade de ação. Houve um engarrafamento monstro, que durou uma semana, embora Gertrudes houvesse voltado logo para casa. O Senado aprovou lei de emergência, proibindo Gertrudes de chegar à janela. A moça vivia confinada num salão em que só penetrava sua mãe, pois o mordomo se suicidara com uma foto de Gertrudes sobre o peito. Gertrudes não podia fazer nada. Nascera assim, este era o seu destino fatal: a extrema beleza. E era feliz, sabendo-se incomparável. Por falta de ar puro, acabou sem condições de vida, e um di

Mãe É Quem Fica, Bruna Estrela

           Mãe é quem fica. Depois que todos vão. Depois que a luz apaga. Depois que todos dormem. Mãe fica.      Às vezes não fica em presença física. Mas mãe sempre fica. Uma vez que você tenha um filho, nunca mais seu coração estará inteiramente onde você estiver. Uma parte sempre fica.      Fica neles. Se eles comeram. Se dormiram na hora certa. Se brincaram como deveriam. Se a professora da escola é gentil. Se o amiguinho parou de bater. Se o pai lembrou de dar o remédio.      Mãe fica. Fica entalada no escorregador do espaço kids, pra brincar com a cria. Fica espremida no canto da cama de madrugada pra se certificar que a tosse melhorou. Fica com o resto da comida do filho, pra não perder mais tempo cozinhando.      É quando a gente fica que nasce a mãe. Na presença inteira. No olhar atento. Nos braços que embalam. No colo que acolhe.      Mãe é quem fica. Quando o chão some sob os pés. Quando todo mundo vai embora.      Quando as certezas se desfazem. Mãe

Os Dentes do Jacaré, Sérgio Capparelli. (poema infantil)

De manhã até a noite, jacaré escova os dentes, escova com muito zelo os do meio e os da frente. – E os dentes de trás, jacaré? De manhã escova os da frente e de tarde os dentes do meio, quando vai escovar os de trás, quase morre de receio. – E os dentes de trás, jacaré? Desejava visitar seu compadre crocodilo mas morria de preguiça: Que bocejos! Que cochilos! – Jacaré, e os dentes de trás? Foi a pergunta que ouviu num sonho que então sonhou, caiu da cama assustado e escovou, escovou, escovou. Sérgio Capparelli  CAPPARELLI, S. Boi da Cara Preta. LP&M, 1983. Leia também: Velho Poema Infantil , de Máximo de Moura Santos.