No princípio, eu criei os céus e a Terra. A terra era sem forma e vazia. Havias trevas sob a face do abismo.Então eu disse: faça-se a luz .E a luz se fez.
Então comecei meu trabalho.Elétron por elétron, átomo por átomo, fazendo vibrar a matéria e dando formas e nomes às coisas.
Levei sete trilhões de anos para fazer o universo. Mas vocês dizem que foram apenas sete dias. Não foi fácil. Desenhar, redesenhar, rasgar, jogar fora, começar de novo, aprovar, recusar. Os animais deram muito trabalho, milhões de espécies. Programar as patinhas das centopeias para não tropeçarem, fazer a bundinha do vagalume acender e apagar ou fazer a lagosta ver doze cores.
E foi assim que fui aprendendo, sozinho, a arte de criar seres vivos. Estava pronto para realizar minha obra mais perfeita. Quando terminei de fazer todos os animais da Terra criei a mulher. À minha imagem e semelhança.Tão feminina quanto eu.Ví que minha obra era boa e descansei.
Hoje no oitavo dia, acordei e vim conferir tudo o que foi criado. Mesmo precisando de alguns ajustes como consertar degelos, agora eu percebo que um vírus se instalou em minha obra e que terei de reiniciar tudo que fiz.
É que surgiram seres estranhos à minha criação. Homens individualistas, mesquinhos e falseadores. São os mentirosos que pensam que são criadores de universo, que querem me imitar e transformar nuvens em rochas. Não. Não estou falando de advogados.
A desgraça que destruiu toda minha obra são os escritores.Os poetas.Que admitem fingir dor que sentem.Criam universos paralelos nas mentes, obras de ficção que enganam e iludem as pessoas.
Usam os livros para divulgar a violência e coisas românticas. E o mundo acredita neles. Histórias ridículas de amores eternos, de casais que se suicidam por amor ouvindo cotovias; um homem que acorda e descobre que é uma barata e sofre indiferença da família; outra escreve um livro de 200 páginas para descrever que comeu a barata; ditaduras do grande irmão; mulheres infiéis francesas; odisséias pelos mares monstruosos; os lobinhos que comem a vovozinha; máquinas que dominam o homem; loucos que enfrentam moinhos; pactos com demônios.
Não são escritores. São excretores. Dizem-se realistas e na verdade pregam o fantástico.Certa vez, usando meu santo nome, quatro escritores escreveram fantasias sobre um homem que nasceu de uma virgem, andou sob as águas,curou e ressuscitou mortos,morreu e foi aos céus. Realismo fantástico. E assim fizeram as religiões,também usando meu nome. Vocês sabem que eu não tenho religião.
Por todos estes crimes dos escritores e seus seguidores é que resolvi destruir tudo e recomeçar o mundo.
Decidi convidar você para repovoar o mundo. Preciso de uma nova Eva e uma nova Lilith. Mas,por favor, tenham cuidado quando comerem a maçã da árvore do conhecimento.
Não jogue o resto de fruta no chão como fizeram da outra vez. O macaco Adão que comeu o resto da maçã, que evoluiu e que vocês chamam de homem, pode comer e criar novamente esta raça maldita que vocês chamam de escritores.
Amanhã as águas dos mares vão subir novamente até esfriar o Sol e as estrelas. nada mais aqui existirá. Vou fazer meu primeiro dilúvio na terra. Um grande dilúvio.
Observo que você estranha o que eu digo. Já existiu um dilúvio antes? Há um livro chamados Gênesis que já fala da destruição do mundo pelas águas? Então algum escritor, malditos escritores, escreveu um livro que fala que eu criei o mundo em sete dias. Neste caso será que sou apenas um personagem criado por algum escritor judeu há seis mil anos? Então eu sou a imagem criada por um escritor?
Eu não existo. Eu não acredito em mim.
Nota: o blog manteve a grafia original.
Nota: o blog manteve a grafia original.
No final tudo é uma invenção, nem mesmo Deus pode escapar, sua cara de espanto quando se reconhece criatura do homem me fez rir. Javé, de todas as personagens da literatura, é uma das mais mal humoradas que conheço. Rir de um chato não pode ser considerado pecado.
ResponderExcluirBem maluquinho esse conto, não? gostei pra caramba. Rir de chato é, antes, uma terapia.
ResponderExcluirabraço