Pular para o conteúdo principal

A Cidade dos Hereges, Federico Andahazi


     Apenas recentemente conheci o argentino Federico Andahazi. O jovem escritor de Buenos Aires é autor de um já best seller: O Anatomista.  


     Acabei de ler A Cidade dos Hereges, cuja história é narrada em dois cenários:  dentro e fora de mosteiros. Nos mosteiros, o ócio, o sexo, a hipocrisia, o medo e as orações; fora deles: a luta pelo poder num vale tudo sangrento e carregado de mentiras.  

     No livro a gente pode ver apenas a história, cheia de nuances, de invenção de um Santo Sudário falso. E essa história é narrada de forma magistral. As cartas de Christine, jovem que vai parar num convento não por fé, mas por circunstâncias, são verdadeiras aulas de ética, filosofia e religiosidade.  Humanas, apaixonadas e sinceras.  

      A história que se passa fora dos mosteiros, pode ser comparada com a atualidade, brasileira, inclusive.  A criação de uma relíquia (o sudário falso), para construir uma igreja (com financiamento) a estratégia pensada para divulgá-la com intenção de trazer fiéis que trariam mais dinheiro  e resultar, portanto, numa fonte de renda crescente para o pai de Christine  é muito semelhante ao que nos ocorre hoje. 
   
 Para um grupo ter o poder, foi necessária a criação de um ídolo, que, carismático e, inteligentemente, frequentemente comparando-se a Jesus fez o papel do falso sudário. Realmente atraiu e tomou o poder. A manutenção do poder, tal qual o da história do livro, foi feita inclusive com derramamento de sangue.  E não vou falar mais pra não induzir quem queira ler A Cidade dos Hereges, mas que acho muitíssimo parecido com nossa atualidade eu acho.  Agora, independente disso, o livro é muito bem escrito e vale a pena ler. 

     Não conheço outra obra de Federico Andahazi e quem quiser me emprestar O Anatomista, eu agradeço e prometo devolver.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Beleza Total, Carlos Drummond de Andrade.

A beleza de Gertrudes fascinava todo mundo e a própria Gertrudes. Os espelhos pasmavam diante de seu rosto, recusando-se a refletir as pessoas da casa e muito menos as visitas. Não ousavam abranger o corpo inteiro de Gertrudes. Era impossível, de tão belo, e o espelho do banheiro, que se atreveu a isto, partiu-se em mil estilhaços. A moça já não podia sair à rua, pois os veículos paravam à revelia dos condutores, e estes, por sua vez, perdiam toda a capacidade de ação. Houve um engarrafamento monstro, que durou uma semana, embora Gertrudes houvesse voltado logo para casa. O Senado aprovou lei de emergência, proibindo Gertrudes de chegar à janela. A moça vivia confinada num salão em que só penetrava sua mãe, pois o mordomo se suicidara com uma foto de Gertrudes sobre o peito. Gertrudes não podia fazer nada. Nascera assim, este era o seu destino fatal: a extrema beleza. E era feliz, sabendo-se incomparável. Por falta de ar puro, acabou sem condições de vida, e um di

Mãe É Quem Fica, Bruna Estrela

           Mãe é quem fica. Depois que todos vão. Depois que a luz apaga. Depois que todos dormem. Mãe fica.      Às vezes não fica em presença física. Mas mãe sempre fica. Uma vez que você tenha um filho, nunca mais seu coração estará inteiramente onde você estiver. Uma parte sempre fica.      Fica neles. Se eles comeram. Se dormiram na hora certa. Se brincaram como deveriam. Se a professora da escola é gentil. Se o amiguinho parou de bater. Se o pai lembrou de dar o remédio.      Mãe fica. Fica entalada no escorregador do espaço kids, pra brincar com a cria. Fica espremida no canto da cama de madrugada pra se certificar que a tosse melhorou. Fica com o resto da comida do filho, pra não perder mais tempo cozinhando.      É quando a gente fica que nasce a mãe. Na presença inteira. No olhar atento. Nos braços que embalam. No colo que acolhe.      Mãe é quem fica. Quando o chão some sob os pés. Quando todo mundo vai embora.      Quando as certezas se desfazem. Mãe

Os Dentes do Jacaré, Sérgio Capparelli. (poema infantil)

De manhã até a noite, jacaré escova os dentes, escova com muito zelo os do meio e os da frente. – E os dentes de trás, jacaré? De manhã escova os da frente e de tarde os dentes do meio, quando vai escovar os de trás, quase morre de receio. – E os dentes de trás, jacaré? Desejava visitar seu compadre crocodilo mas morria de preguiça: Que bocejos! Que cochilos! – Jacaré, e os dentes de trás? Foi a pergunta que ouviu num sonho que então sonhou, caiu da cama assustado e escovou, escovou, escovou. Sérgio Capparelli  CAPPARELLI, S. Boi da Cara Preta. LP&M, 1983. Leia também: Velho Poema Infantil , de Máximo de Moura Santos.