Se me escutas, quero que saibas que sinto saudades.
Foi um tempo escuro, o que vivemos... Mas
cada vez que te encontrava era um pedaço meu que eu achava, escondido debaixo
dos entulhos.
Gostava quando te levantavas e me
socorrias com lenços de papel. Um gesto
gentil, como o de dividir o mesmo guarda-chuva.
Quando todos queriam falar, falar,
falar...Eu gostava dos teus silêncios e do teu sorriso dócil.
Em tua companhia, eu me sentia em casa.
Lamento que depois tenha havido um estranhamento entre nós. Mas mesmo nos piores
enganos, eu nunca deixei de confiar que tudo ficaria bem.
Não contavas que eu também te observava
com meus olhos atentos: treinados e astutos. E que percebia em tuas palavras e
em teus silêncios muito mais do que podias dizer: “É que o amor, quando se
revela/ não se pode revelar/ Sabe bem olhar p’ra ela/ mas não lhe sabe falar”.
E como essas “Quadras” de Fernando Pessoa
enquadram bem a nossa estória... Eu que falava, mentia; tu que calavas,
esquecias. Ambos perdidos no medo da incômoda descoberta.
É por isso que tanto tempo depois, quando
te procurei, tua primeira pergunta foi: Por que voltaste?
- “Mas quem sente muito, cala;/Quem quer
dizer quanto sente/ Fica sem alma nem fala/ Fica só, inteiramente.”
Hoje decido fazer-te essa revelação, que
não arrisco te falar, que nem gosto de lembrar, pois é como um fado que canta
em mim... como uma triste canção!
-“Mas se isto puder contar-lhe/ O que não
ouso contar,/Já não terei que falar-lhe/Porque lhe estou a falar...”
(Originalmente publicado no Jornal do comercio do Recife )
(Postagem feita com autorização da autora)
Imagem: Os choupos, Claude Monet - 1891
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