Chegara tão silencioso que, quando
Guardia abriu o quarto, já o viu de cuecas a colocar o pijama. Sobre a cômoda
um pacote amarrado com uma fita azul, temia, falava por si, olhava para o chão.
A matemática de Osvaldo sobre a cama, um maço de provas e um lápis vermelho
preso por um elástico na maçaroca de papéis. Vestiu-se completamente. Acendeu o
cigarro e caminhou em direção à mulher que estava à porta segurando um pedaço
de linho, agulha e alguns desenhos.
Tudo branco.
Um raminho de flores.
- A janta está pronta?
- Todos já estão na sala. Esperam-lhe.
-Todos, Joaquim já chegou de escola?
Escolástica?
Descobrira Pessoa, Madame Bovary junto a
uns figurinos debaixo da cama. Reclamara e veio a promessa de que toda leitura
passaria primeiro por suas mãos. Nunca mais vira poesias e romances dentro de casa. Vasculhara sempre.
Passou a frequentar todas as missas, novenas, tornou-se Filha de Maria, passou
a dar aulas de catecismo duas vezes Poe semana, cuidava do jardim. Prometera
também não mais falar com o primo que trabalhava como equilibrista de circo.
- A menina já está na igreja, foi se
confessar.
- Se confessar. Devasso, poeta, palhaço.
- Os bordados estão prontos. Amanhã
montarei a camisola. Já encomendei as cobertas. Ursulino chegará daqui a uns
quinze dias. Os ais virão com ele, parece que também um irmão. Disseram-me que
ele virá para negociar a compra da casa. Bem pertinho de nós. Os convites já
estão prontos, as flores encomendadas, igreja com data.
À mesa ele não dera uma palavra, além do
agradecimento a Deus pela comida. Os meninos entreolhavam-se. Pensavam nos
docinhos, na gasosa e no bolo da festa. Tentaram falar no assunto e o clima era
gélido. Sem resposta.
O rádio sem o noticiário das oito.
Ouvia-se apenas o rangido da cadeira de balanço e o tictaquear do relógio. O
cuco tocava nove horas.
A menina não chegou, vou até a igreja.
Terminou a novena.
- Não adianta, Guardia, ela não voltará.
Mal dera aulas, após ter recebido no
balcão da escola uma série de cartas escritas à máquina, em que não havia acento e faltavam algumas letras. Todas
endereçadas ao primo. Algumas respostadas.
- Bem que eu lhe disse que não era para
deixar ela estudar e muito menos
aprender datilografia. Mulher sabida demais dá no que aconteceu.
Fechou a janela, respirou o ar puro da
noite e foi corrigir provas.
(A Rua Pela
Vidraça, Carmem Vieira,Calibar Editora 2010)
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