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Faith No More, Mário Lúcio Sousa

 
A fé nunca é demais
se se transborda rega e invade.
Sei que está comigo e que me fala: 
não ouvi-la é transcendental.
Ela me fala do outro lado do som 
e toma formas efêmeras
para agilizar a língua
porque é a mesma forma que se vê dissímil
                                       em cada forma.
A cor pura necessita de luz pura 
mas a luz tem as suas cores
e ali estão, também efêmeras,
porque é a mesma luz que se vê dissímil
                                       em cada cor.
Creio e vejo e tenho 
só porque creio
porque nem vejo nem tenho. 
Tudo se me faz presente,
tanto a construção da ponte como a sua ruína; 
as batalhas ganhas ainda não começaram
mas ganhas já, porque as creio assim.
A distância toma o sentido contrário
porque penso mais rápido do que a luz e 
portanto, vejo antes de as coisas se definirem 
para se deixarem ver o que são.
Puro engano o contrário:
o que é não se define, está definido.
E pode ser visto sem que exista na aparência.


Sobre o autor:

Mário Lúcio Sousa (Lúcio Matias de Sousa Mendes) nasceu no Tarrafal, Ilha de Santiago, Cabo Verde, em 21 de Outubro de 1964. Licenciado em Direito pela Universidade de Havana, Cuba. Deputado do Parlamento Cabo-Verdiano entre 1996 e 2001. Embaixador Cultural de Cabo Verde. Condecorado pelo seu país em 2006 com a Ordem do Vulcão, ao lado de Cesária Évora, sendo ele o artista mais jovem a receber tal distinção.Na música, foi fundador e líder do grupo musical Simentera, Compositor, multi-instrumentista e estudioso da música tradicional. Já gravou com Manu Dibango, Touré Kunda, Paulinho Da Viola, Maria João e Mário Laginha, Gilberto Gil, Luís Represas, Milton Nascimento, Pablo Milanês, Harry Belafonte, Toumani Diabate, Mario Canonge Ralph Tamar, Pedro Jóia, Teresa Salgueiro entre outros.
Obras disponíveis no Brasil:Biografia do Língua  e O novíssimo testamento
Imagem: www.publico.pt

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