Pular para o conteúdo principal

Quarta-feira é dia de: A Mulher e o Amor, Marlene Canarim Danesi




Tenho sido amada, não o suficiente. Porque nunca se quer o suficiente: uma vida só não basta.

                                                                            
Frida Kahlo

Mulher e Amor questões instigantes e enigmáticas. O universo feminino está permanentemente relacionado com o amor. Não foi diferente com Frida Kahlo, uma das mais fortes personalidades entre as mulheres da era revolucionária, no México. Paixão, romance, dor, traição, luxuria e dramas resumem a vida desta ousada e intrigante artista mexicana. São várias Fridas, e a multiplicidade de aspectos de sua personalidade é a razão, que mesmo transcorridos tantos anos de sua morte, as pessoas sintam uma forte identificação com esta mulher a frente de seu tempo, única e intensa. Uma mulher cheia de vida, ícone das artes, que soube transformar suas deficiências em estilo. Apesar de uma vida cheia de dificuldades, desde doenças e traições, Frida sentiu que tinha energia suficiente para fazer qualquer coisa , quando um acidente a impediu de cursar Medicina , sua primeira escolha profissional. Ela costumava dizer que foram dois os acidentes em sua vida: o bonde e Diego.
O grave acidente de trânsito em 17 de setembro de 1925 deixou destroçado o corpo de Frida, inviabilizou a maternidade, motivo de enorme frustração, sofrimento e dor nos três abortos sofridos. O acidente aconteceu dez anos antes, de outro dezessete de setembro, o nascimento de Helena marcado também por circunstâncias quase trágicas. Mas não foi só esta a coincidência que, guardadas as devidas proporções, aproximou a vivência das duas mulheres. O nome da mãe de ambas ser Matilde, a origem indígena, a de Frida oaxaquenha, a de Helena dos índios carijós. E ainda a rebelião, o gosto por tequila, e o amar e desejar com loucura. Ambas estiveram sempre em busca de algo que preenchesse o vazio e a angústia, na expectativa de encontrar através do amor, a resposta para a felicidade.
Exótica, ambígua, autentica, feminina traços responsáveis da admiração de Helena por Frida. O desejo de conhecer a Casa Azul, onde a artista nasceu e morreu a leva ao México. Acompanhada de Rodrigo, um amigo mexicano, chegam ao Museu Frida Kahlo, situado em um dos bairros mais belos e antigos da capital. Percebe de imediato a intensa relação da obra de Frida com sua casa. Cada objeto diz algo sobre a pintora. Coletes ortopédicos, que ela soube tão bem ocultar a verdadeira função, enfeitados com cores vivas e flores, lembram o sofrimento físico. Os vestidos e joias retratam a mulher vaidosa e a colecionadora. A cozinha e o comedor falam da vida cotidiana, mas nos remetem também as festas que Frida e Diego costumavam oferecer aos amigos, regadas sempre com muita tequila. A pintura azul por dentro e por fora lembra o aconchego do céu. A Casa Azul é a síntese do gosto do casal pela arte e cultura mexicana. Frida é o México antigo, no ritmo da dança, do uso de máscara de seus ancestrais, na figura da índia que amamenta e enlaça a criança.
A visita fascina Helena, mas sua maior curiosidade é saber mais do Modelo tehuana adotado por Frida. Conforme lhe conta Rodrigo, as mulheres desta tribo costumavam nos tempos do México antigo, enfeitar-se com  colares  e peças de ouro.E ainda  hoje  usam  acessórios  chamativos, blusas  azuis  ou laranjas e vestidos longos  com bordados coloridos.Mulheres sem inibição,sexualidade livre,apaixonadas  pela música  e pela dança e envolvidas pela magia.Verdadeiros símbolos da indianidade e da rebelião feminina. Tudo que Frida foi e tudo que Helena sempre quis ser.

Entusiasmada em conhecer as origens destas mulheres belas e audaciosas, aceita o convite do amigo e vão a Tehuantepec. Não encontra a mesma opulência do passado, mas herança e tradição estão presentes. Participa de uma festa.  Os nativos tocam canções delicadas e melancólicas em instrumentos primitivos. É um ritmo lento, mas que se pode valsear. Ela começa aprender com Rodrigo a Sanduga, dança estranha, com nome africano, que inicia lenta e depois se acelera progressivamente. Baila ao estilo das tehuanas, de pé descalços, com flores nos cabelos e com o vestido colorido e longo varrendo o chão. Helena sente a dança vibrante como uma expressão erótica do mundo pré-hispânico, um mundo que ainda vive, apesar da violência e da sujeição da conquista. Sente também que em Tehuantepec percorre um pouco os caminhos trilhados por Frida Kahlo.E nesta cidade  compreende  e  encontra  as raízes  do  sentimento  de  identificação  da  artista com  seu país.     




In: As Viagens de Helena, Marlene Canarim Danesi

Nota: o texto foi gentilmente cedido e enviado para postagem pela autora.. 





Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Beleza Total, Carlos Drummond de Andrade.

A beleza de Gertrudes fascinava todo mundo e a própria Gertrudes. Os espelhos pasmavam diante de seu rosto, recusando-se a refletir as pessoas da casa e muito menos as visitas. Não ousavam abranger o corpo inteiro de Gertrudes. Era impossível, de tão belo, e o espelho do banheiro, que se atreveu a isto, partiu-se em mil estilhaços. A moça já não podia sair à rua, pois os veículos paravam à revelia dos condutores, e estes, por sua vez, perdiam toda a capacidade de ação. Houve um engarrafamento monstro, que durou uma semana, embora Gertrudes houvesse voltado logo para casa. O Senado aprovou lei de emergência, proibindo Gertrudes de chegar à janela. A moça vivia confinada num salão em que só penetrava sua mãe, pois o mordomo se suicidara com uma foto de Gertrudes sobre o peito. Gertrudes não podia fazer nada. Nascera assim, este era o seu destino fatal: a extrema beleza. E era feliz, sabendo-se incomparável. Por falta de ar puro, acabou sem condições de vida, e um di

Mãe É Quem Fica, Bruna Estrela

           Mãe é quem fica. Depois que todos vão. Depois que a luz apaga. Depois que todos dormem. Mãe fica.      Às vezes não fica em presença física. Mas mãe sempre fica. Uma vez que você tenha um filho, nunca mais seu coração estará inteiramente onde você estiver. Uma parte sempre fica.      Fica neles. Se eles comeram. Se dormiram na hora certa. Se brincaram como deveriam. Se a professora da escola é gentil. Se o amiguinho parou de bater. Se o pai lembrou de dar o remédio.      Mãe fica. Fica entalada no escorregador do espaço kids, pra brincar com a cria. Fica espremida no canto da cama de madrugada pra se certificar que a tosse melhorou. Fica com o resto da comida do filho, pra não perder mais tempo cozinhando.      É quando a gente fica que nasce a mãe. Na presença inteira. No olhar atento. Nos braços que embalam. No colo que acolhe.      Mãe é quem fica. Quando o chão some sob os pés. Quando todo mundo vai embora.      Quando as certezas se desfazem. Mãe

Os Dentes do Jacaré, Sérgio Capparelli. (poema infantil)

De manhã até a noite, jacaré escova os dentes, escova com muito zelo os do meio e os da frente. – E os dentes de trás, jacaré? De manhã escova os da frente e de tarde os dentes do meio, quando vai escovar os de trás, quase morre de receio. – E os dentes de trás, jacaré? Desejava visitar seu compadre crocodilo mas morria de preguiça: Que bocejos! Que cochilos! – Jacaré, e os dentes de trás? Foi a pergunta que ouviu num sonho que então sonhou, caiu da cama assustado e escovou, escovou, escovou. Sérgio Capparelli  CAPPARELLI, S. Boi da Cara Preta. LP&M, 1983. Leia também: Velho Poema Infantil , de Máximo de Moura Santos.