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Mostrando postagens de agosto, 2017

Edmundo, o Céptico, Cecília Meireles

          Naquele tempo, nós não sabíamos o que fosse cepticismo. Mas Edmundo era céptico. As pessoas aborreciam-se e chamavam-no de teimoso. Era uma grande injustiça e uma definição errada.      Ele queria quebrar com os dentes os caroços de ameixa, para chupar um melzinho que há lá dentro. As pessoas diziam-lhe que os caroços eram mais duros que os seus dentes. Ele quebrou os dentes com a verificação. Mas verificou. E nós todos aprendemos à sua custa. (O cepticismo também tem o seu valor!)      Disseram-lhe que, mergulhando de cabeça na pipa d’água do quintal, podia morrer afogado. Não se assustou com a idéia da morte: queria saber é se lhe diziam a verdade. E só não morreu porque o jardineiro andava perto.      Na lição de catecismo, quando lhe disseram que os sábios desprezam os bens deste mundo, ele perguntou lá do fundo da sala: “E o rei Salomão?” Foi preciso a professora fazer uma conferência sobre o assunto; e ele não saiu convencido. Dizia: “Só vendo.

Tristeza da Lua, Charles Baudelaire

Divaga em meio à noite a lua preguiçosa;   Como uma bela, entre coxins e devaneios, Que afaga com a mão discreta e vaporosa, Antes de adormecer, o contorno dos seios. No dorso de cetim das tenras avalanchas, Morrendo, ela se entrega a longos estertores, E os olhos vai pousando sobre as níveas manchas Que no azul desabrocham como estranhas flores.

BiblioTheo, a biblioteca de meu neto.

O garotinho fofo com pés de dragão é meu netinho. Theo está perambulando no setor de livros infantis de uma grande livraria. Sim, para ele é um lazer e tanto ir a uma livraria.  Theo já é um leitor de respeito: tem livros com e sem ilustração, em papel e em madeira, de ler ou de montar, intacto ou avariado, pintado, rabiscado, em português, em inglês. Todos lidos e relidos diversas vezes. Todos decorados,   claro. Criança não é assim? Sabe as histórias nos mínimos detalhes, mas quer que conte e reconte... Já li para Theo O Joelho Juvenal, de Ziraldo que o pai dele também tinha e também leu um montão de vezes. Ziraldo está na BiblioTheo.   A BiblioTheo vai fazer parte do blog a partir de hoje. Coisa de vó. Babona e leitora .

Histórias de Trens, Nílva Basílio.

      São tão claros os presságios e os encontros dessa vida Quando as partes combinadas surgem numa mesma estrada..." (em Pequenina, cantada por Xangai, autor Renato Teixeira)      Os trens se cruzaram e pararam antes de chegar á plataforma da estação. Isto acontece frequentemente. Passageiros de um e outro aproveitam estes momentos para se olharem, se avaliarem, através das janelas tipo guilhotina.  O casal se reconheceu naquele dia.       Já haviam se visto outras vezes, cada um a seu modo atraído pela figura do outro. O soldadinho bem apanhado, no rosto um quê de quem vive de bem com a vida. A moça séria, jeitosa, muito bem arrumada, nos saltos - embora na volta do trabalho ela já esteja se achando meio decomposta. Ele lhe disse, mais tarde, que a achara bonita, e ela, no fundo, no fundo, acredita, com um tiquinho de modéstia. Sempre fora cuidadosa com a aparência, copiando os modelos das moças mais elegantes de sua época, estampadas nas revistas que um ti

Oração do Milho, Cora Coralina

Senhor, nada valho. Sou a planta humilde dos quintais pequenos e das lavouras pobres. Meu grão, perdido por acaso, nasce e cresce na terra descuidada. Ponho folhas e haste, e, se me ajudardes, Senhor, mesmo planta de acaso, solitária, dou espigas e devolvo em muitos grãos o grão perdido inicial, salvo por milagre, que a terra fecundou. Sou a planta primária da lavoura. Não me pertence a hierarquia tradicional do trigo, de mim não se faz o pão alvo universal. O justo não me consagrou Pão de Vida nem lugar me foi dado nos altares. Sou apenas o alimento forte e substancial dos que trabalham a terra, alimento de rústicos e animais de jugo.

A Casa Materna, Vinícius de Moraes

     Imagem: Regina Porto      Há, desde a entrada, um sentimento de tempo na casa materna. As grades do portão têm uma velha ferrugem e o trinco se oculta num lugar que só a mão filial conhece. O jardim pequeno parece mais verde e úmido que os demais, com suas palmas, tinhorões e samambaias que a mão filial, fiel a um gesto de infância, desfolha ao longo da haste.      É sempre quieta a casa materna, mesmo aos domingos, quando as mãos filiais se pousam sobre a mesa farta do almoço, repetindo uma antiga imagem. Há um tradicional silêncio em suas salas e um dorido repouso em suas poltronas. O assoalho encerado, sobre o qual ainda escorrega o fantasma da cachorrinha preta, guarda as mesmas manchas e o mesmo taco solto de outras primaveras. As coisas vivem como em prece, nos mesmos lugares onde as situaram as mãos maternas quando eram moças e lisas. Rostos irmãos se olham dos porta-retratos, a se amarem e compreenderem mudamente. O piano fechado, com uma longa tir

O Mal e o Sofrimento, Leandro Gomes de Barros

Se eu conversasse com Deus Iria lhe perguntar: Por que é que sofremos tanto Quando viemos pra cá? Que dívida é essa Que a gente tem que morrer pra pagar? Perguntaria também Como é que ele é feito Que não dorme, que não come E assim vive satisfeito. Por que foi que ele não fez A gente do mesmo jeito? Por que existem uns felizes E outros que sofrem tanto? Nascemos do mesmo jeito, Moramos no mesmo canto. Quem foi temperar o choro E acabou salgando o pranto?” Leandro Gomes de Barros :  poeta paraibano cuja obra foi usada por Ariano Suassuna em, por exemplo, O Auto d Compadecida. Leia sobre ele clicando aqui Imagem e mais informações sobre o autor, clique aqui  

Recomendo: O Filme da Minha Vida

  Um Pai de Cinema de Antonio Skármeta conta:     A bela e breve história do jovem professor de um povoado, Jacques. Seu pai, um forasteiro francês, abandonou a ele e sua mãe há vários anos.       Um dia, ao visitar a cidade vizinha para ir à primeira vez a um bordel, Jacques tem uma grande surpresa, e a explicação de tudo pode estar muito perto dele.(liv. Saraiva).   Essa história simples, lírica e com sabor de café da manhã foi transformada em filme por Selton Melo e está nos cinemas. O Filme da Minha Vida traz Johnny Massaro fazendo o papel do jovem professor, Vincent Cassel é seu pai francês ( o ator é realmente francês) e o próprio Selton faz o papel do amigo do pai. Ainda não li o livro, mas o filme me encantou pela singeleza, desempenho dos atores, beleza das paisagens e ternura.  Recomendo

Eu Tambem Leio - Grupo para adolescentes,

GRUPO DE LEITURA PARA ADOLESCENTES ENTRE 14 e 17 anos. Leitura de 1 livro por mês. Um encontro semanal para discussão do livro em questão. Vagas limitadas. Livraria Única. Em Copacabana. Telefone e faça a sua reserva: ESPAÇO ÚNICA Av. Nossa Sra. de Copacabana 1072/ 1205 Tels: (21) 2247-7895 ou 97190-9834 www.unicagestao.com Se você não tem adolescentes na família, poderia por favor passar essa informação para quem você conhece com adolescentes?  COMPARTILHE! --

Nayyirah Waheed: A Americana do Momento no Instagram (1)

     Nayyirah, é uma jovem e reclusa americana que escreve boas poesias e é muito conhecida no Instagram.  Nayyirah Waheed fala muito e bem do que todos nós devemos ouvir: racismo, autoestima, feminismo.      Como acabei de me encantar por ela, vou dedicar algumas segundas-feiras poéticas a Nayyirah Waheed. Nota: A escritora tem dois livros: Salt e Nejma, ambos sem edição em português.  Fonte: Jornal Nexo.

Oração Ao Tempo, Caetano Veloso

És um senhor tão bonito Quanto a cara do meu filho Tempo, tempo, tempo, tempo Vou te fazer um pedido Tempo, tempo, tempo, tempo Compositor de destinos Tambor de todos os ritmos Tempo, tempo, tempo, tempo Entro num acordo contigo Tempo, tempo, tempo, tempo Por seres tão inventivo E pareceres contínuo Tempo, tempo, tempo, tempo És um dos deuses mais lindos Tempo, tempo, tempo, tempo Que sejas ainda mais vivo No som do meu estribilho Tempo, tempo, tempo, tempo Ouve bem o que te digo Tempo, tempo, tempo, tempo Peço-te o prazer legítimo E o movimento preciso Tempo, tempo, tempo, tempo Quando o tempo for propício Tempo, tempo, tempo, tempo De modo que o meu espírito Ganhe um brilho definido Tempo, tempo, tempo, tempo E eu espalhe benefícios Tempo, tempo, tempo, tempo O que usaremos pra isso Fica guardado em sigilo Tempo, tempo, tempo, tempo Apenas contigo e comigo Tempo, tempo, tempo, tempo E quando eu tiver saído Para fora do teu círculo Tempo, tempo,

Lembram do Jovem Que Sumiu?

       Pois é...         O jovem de 24 anos, Bruno Borges, da cidade de Rio Branco - AC, cuja história de desaparecimento misterioso foi largamente divulgada,  lançou um livro que está vendendo bem.       Segundo a PublishNews, Teoria da Absorção de Conhecimentos está entre os 20 livros mais vendidos na categoria não ficção.          Não sei ainda se é um bom livro, não conheço ninguém que tenha lido.  Por enquanto, sei apenas que o jovem psicólogo fez um trabalho de marketing muito bem feito. Com uma história de suposto desaparecimento, criou uma curiosidade formidável.        Bruno começou agora a história de um novo escritor recluso?        Bruno, em algum momento, vai contar sobre seu sumiço?        Todos os volumes vão ser lançados?  O(s) mistério(s) vai(vão) sustentar a boa venda  ou o conteúdo é que vai garantir o sucesso do Bruno Borges?   Alguém que tenha lido o volume lançado poderia me falar a respeito, por favor? Sobre o suposto desaparecimento l

Mea Culpa, Antero de Quental

Não duvido que o mundo no seu eixo Gire suspenso e volva em harmonia; Que o homem suba e vá da noite ao dia, E o homem vá subindo insecto o seixo. Não chamo a Deus tirano, nem me queixo, Nem chamo ao céu da vida noite fria; Não chamo à existência hora sombria; Acaso, à ordem; nem à lei desleixo. A Natureza é minha mãe ainda… É minha mãe… Ah, se eu à face linda