Pular para o conteúdo principal

Dedicatória (2): Aos Bichos, Às Nuvens, Aos Rios-Irmãos, Luciano Maia

Aos Bichos

Ao bicho triste (pé de arribação)
À acauã que canta o triste fado
À juriti, ao pássaro carão
À asa-branca, ao sabiá, ao gado
Que bebe o rio-ausente do verão
Em cantigas de aboio represado.
A todos os viventes dos caminhos
Reverberadas pelos passarinhos.

Às Nuvens

Ás andarilhas nuvens tropicais
Que recebem do solo vaporoso
As águas em conúbios vesperais
E retornam (nem sempre) ao sequioso
País das pedras intertemporais
Nalgum velado encontro, em breve pouso
Dedico (na esperança de revê-las)
Este canto de amor sob as estrelas.

Aos Rios-Irmãos

Aos rios do Ceará, principalmente
Os do sertão sedento que não vão
Muito longe da terra seca e quente
Onde resiste o deserdado irmão
Preso a um fio d´agua sucumbente
Que o amarra à sina deste chão
Mas que ao tempo do solo lavradio
É a mais doce vazante do meu rio.


In: Maia, Luciano, Jaguaribe Memória das Águas, Governo do Estado do Ceará 2010
Imagem: Assembleia legislativa do estado do Ceará
Leia também:
Dedicatória 1 aos cantadores e aos repentistas

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Beleza Total, Carlos Drummond de Andrade.

A beleza de Gertrudes fascinava todo mundo e a própria Gertrudes. Os espelhos pasmavam diante de seu rosto, recusando-se a refletir as pessoas da casa e muito menos as visitas. Não ousavam abranger o corpo inteiro de Gertrudes. Era impossível, de tão belo, e o espelho do banheiro, que se atreveu a isto, partiu-se em mil estilhaços. A moça já não podia sair à rua, pois os veículos paravam à revelia dos condutores, e estes, por sua vez, perdiam toda a capacidade de ação. Houve um engarrafamento monstro, que durou uma semana, embora Gertrudes houvesse voltado logo para casa. O Senado aprovou lei de emergência, proibindo Gertrudes de chegar à janela. A moça vivia confinada num salão em que só penetrava sua mãe, pois o mordomo se suicidara com uma foto de Gertrudes sobre o peito. Gertrudes não podia fazer nada. Nascera assim, este era o seu destino fatal: a extrema beleza. E era feliz, sabendo-se incomparável. Por falta de ar puro, acabou sem condições de vida, e um di

Mãe É Quem Fica, Bruna Estrela

           Mãe é quem fica. Depois que todos vão. Depois que a luz apaga. Depois que todos dormem. Mãe fica.      Às vezes não fica em presença física. Mas mãe sempre fica. Uma vez que você tenha um filho, nunca mais seu coração estará inteiramente onde você estiver. Uma parte sempre fica.      Fica neles. Se eles comeram. Se dormiram na hora certa. Se brincaram como deveriam. Se a professora da escola é gentil. Se o amiguinho parou de bater. Se o pai lembrou de dar o remédio.      Mãe fica. Fica entalada no escorregador do espaço kids, pra brincar com a cria. Fica espremida no canto da cama de madrugada pra se certificar que a tosse melhorou. Fica com o resto da comida do filho, pra não perder mais tempo cozinhando.      É quando a gente fica que nasce a mãe. Na presença inteira. No olhar atento. Nos braços que embalam. No colo que acolhe.      Mãe é quem fica. Quando o chão some sob os pés. Quando todo mundo vai embora.      Quando as certezas se desfazem. Mãe

Os Dentes do Jacaré, Sérgio Capparelli. (poema infantil)

De manhã até a noite, jacaré escova os dentes, escova com muito zelo os do meio e os da frente. – E os dentes de trás, jacaré? De manhã escova os da frente e de tarde os dentes do meio, quando vai escovar os de trás, quase morre de receio. – E os dentes de trás, jacaré? Desejava visitar seu compadre crocodilo mas morria de preguiça: Que bocejos! Que cochilos! – Jacaré, e os dentes de trás? Foi a pergunta que ouviu num sonho que então sonhou, caiu da cama assustado e escovou, escovou, escovou. Sérgio Capparelli  CAPPARELLI, S. Boi da Cara Preta. LP&M, 1983. Leia também: Velho Poema Infantil , de Máximo de Moura Santos.